quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Ausência de leis enfraquece Tribunal



O jurista e docente universitário Carlos Feijó afirmou que a falta de normas comunitárias para cumprimento obrigatório por parte dos Estados membros enfraquece o Tribunal da SADC.

Ao falar sobre o tema “Tribunal da SADC: problemas”, no decorrer da IV Conferência Nacional dos Advogados, realizada no Huambo nos dias 19 e 20, Carlos Feijó disse que a SADC continua a ser uma organização de cooperação e não uma comunidade de Estados, porque não existem instituições supranacionais que possam elaborar normas de cumprimento obrigatório.

Carlos Feijó referiu que no actual estágio em que a comunidade se encontra, o Tribunal da SADC não deve tratar de matérias de direito privado, devendo cingir-se apenas à interpretação do Tratado constitutivo da organização, dos protocolos e demais instrumentos e outras matérias entre os Estados.


O Tribunal da SADC foi suspenso em 2010, pelos Chefes de Estado, na sequência de uma decisão contra o Estado zimbabweano, num processo levantado por um agricultor daquele país que perdeu as suas terras no processo de reforma agrária. O Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, recusou-se a acatar tal decisão, recorrendo aos seus homólogos, que decidiram suspender o mandato do Tribunal.


Em Agosto deste ano, os ministros da Justiça e os Procuradores-Gerais da SADC aprovaram os termos de referência para a revisão do protocolo do Tribunal.


Prudência nas decisões


Carlos Feijó disse que os juízes do Tribunal da SADC deviam ser mais prudentes nas suas decisões, evitando pronunciar-se sobre o que considerou “decisões politicamente sensíveis”.

O jurista angolano entende que uma eventual decisão do Tribunal da SADC e ou do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos não era directamente executada em Angola, porque tinha que passar pelo processo de reconhecimento de sentenças estrangeiras previsto na lei de processo.


As decisões tomadas com base em tratados internacionais não são directamente executadas em Angola, porque não há uma norma de recepção automática”, referiu o também docente da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto.

Ao contrário do que acontece na União Europeia, cujos órgãos comunitários emitem directivas de cumprimento obrigatório para todos os Estados membros, a SADC não tem órgãos que emitam normas com a mesma característica.


Carlos Maria Feijó, que em 2010 coordenou o grupo técnico que elaborou o ante-projecto da Constituição, disse que “Angola fez uma boa opção por razões jurídicas, políticas e económicas”, ao não ter incluído, no texto constitucional, uma norma de recepção automática.

Carlos Feijó referiu que não é possível uma convergência económica a nível da região da SADC sem que haja, antes, uma convergência macroeconómica.


O também advogado entende de igual modo que a SADC não é uma comunidade de direito, argumentando que não existe uma integração jurídica, por ausência de harmonização entre a produção legislativa regional e interna.


O Tribunal da SADC não pode tomar decisões com efeitos directos na ordem jurídica de cada um dos Estados”, sublinhou o docente.

Questionado sobre o alcance do artigo da Constituição que prevê que o direito internacional recebido nos termos constitucionais faz parte integrante da ordem jurídica angolana, o jurista alertou para se evitar confundir o direito internacional público geral e o direito que decorre das organizações regionais.


O Direito Internacional Público, sublinhou, não estabelece o primado das normas internacionais sobre a Constituição. Por isso, acrescentou, há o processo de ratificação, estando os tratados sujeitos à fiscalização da constitucionalidade. 


Carlos Feijó exemplificou que o direito produzido pelas Nações Unidas não se aplica directamente. Pelo contrário, referiu, cada Estado adopta e aplica consoante a sua realidade. “As Nações Unidas ou a União Africana não emitem directivas de cumprimento obrigatório para os Estados”, disse.

No caso concreto de Angola, referiu que não existe uma norma idêntica ao do nº 4 do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o primado ou supremacia do direito comunitário. 


Não temos uma norma que estabeleça o direito da SADC, não há recepção automática”, esclareceu o palestrante, acrescentando que “o Tratado da União Europeia institui um ordenamento jurídico comunitário”.

No entender de Carlos Feijó, “quando tivermos um direito comunitário supranacional, com verdadeira integração económica e política e com a limitação da soberania de cada um dos Estados, aí sim, podemos ter a recepção automática”.

in Jornal de Angola de 25.09.2013

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